Trabalhadores da construção civil mais jovens e qualificados tendem a apresentar níveis menores de fadiga e excitação emocional em treinamentos de segurança baseados em realidade virtual (VR, na sigla em inglês). Esta é a principal conclusão de um estudo realizado recentemente na Coreia do Sul e publicado na revista Automation in Construction, no qual os pesquisadores utilizaram o aprendizado de máquina para prever o desempenho de aprendizagem individual em programas virtuais de segurança ocupacional. Para isso, eles seguiram um método baseado em respostas biométricas em tempo real coletadas por meio do rastreamento ocular e eletroencefalografia (EEG).
Dados mostram que o número de acidentes de trabalho na Coreia do Sul vem aumentando constantemente na última década. Dentro desse contexto, a indústria da construção civil foi apontada como a mais arriscada: somente em 2021, houve quase 30 mil acidentes com 551 fatalidades. Isso levou a Agência Coreana para Segurança e Saúde Ocupacional (KOSHA) a implementar iniciativas educacionais para combater condições perigosas em canteiros de obras e ajustar o comportamento dos trabalhadores em relação à segurança. Entre outras medidas, as novas regulamentações exigem que todos os profissionais de atuação diária completem o Treinamento Básico de Segurança e Saúde Ocupacional para a Indústria da Construção Civil.
Para tornar o treinamento mais eficaz, a KOSHA disponibilizou conteúdos de segurança na construção civil baseados em realidade virtual. Contudo, apesar de serem pautados em VR, eles eram essencialmente passivos: os aprendizes apenas seguiam instruções unidirecionais com situações fixas, isto é, sem nenhuma adaptação de acordo com as decisões e avaliações dos participantes. Com o intuito de tornar as interações mais ativas, alguns estudos forneceram conteúdos de segurança na construção civil baseados em VR de caráter mais imersivo.
Outra questão é que esse processo de treinamento baseado em VR não inclui nenhuma avaliação objetiva do desempenho de aprendizagem. Às vezes, os pesquisadores utilizam estudos e testes para avaliar os resultados dos participantes, mas eles ocorrem somente após o processo de treinamento. Isso quer dizer que não fornecem nenhum feedback durante o programa, o que seria muito útil para os aprendizes melhorarem seu desempenho individual.
O principal objetivo dos investigadores era desenvolver um método para prever o desempenho de aprendizagem individual de trabalhadores sul-coreanos submetidos ao Treinamento Básico de Segurança e Saúde Ocupacional para a Indústria da Construção Civil. O programa, baseado em realidade virtual, utiliza aprendizado de máquina e respostas biométricas em tempo real para gerar previsões de performance.
Durante o estudo, 30 trabalhadores do setor da construção passaram por um exercício em VR focado em acidentes de queda em andaimes. O participante mais jovem e o mais velho tinham, respectivamente, 18 e 66 anos, com a média de idade no grupo sendo de 38 anos. O procedimento foi dividido em três etapas: em um momento inicial, os pesquisadores coletaram dados demográficos dos participantes; em seguida, familiarizaram os trabalhadores com o equipamento de realidade virtual utilizado no estudo; por fim, coletaram respostas biométricas deles a partir de aparelhos de rastreamento ocular (geralmente integrados ao headset de VR) e dados de EGG. O treinamento em si durou 15 minutos.
O rastreamento ocular envolve dispositivos especializados que registram o movimento dos olhos dos participantes durante o período estudado, possibilitando a identificação do foco dos indivíduos a cada momento. Ainda que observar um elemento ou objeto específico nem sempre seja sinônimo de atenção, esse rastreamento é útil para determinar o ponto focal de uma pessoa. Além disso, padrões e outras características desses movimentos também podem fornecer outros dados.
A EEG, por sua vez, é um método não invasivo usado para registrar a atividade elétrica do cérebro por meio de eletrodos posicionados no couro cabeludo. Ela mede as flutuações de voltagem resultantes dos fluxos de corrente iônica dentro dos neurônios, oferecendo insights sobre a função cerebral e a saúde neurológica. De modo geral, a EEG é utilizada para diagnosticar e monitorar quadros clínicos como epilepsia, distúrbios do sono e lesões cerebrais, bem como empregada em pesquisas sobre processos cognitivos e neurais.
Além de prever o desempenho de aprendizagem dos trabalhadores utilizando dados demográficos, de EEG e rastreamento ocular coletados durante a tarefa de treinamento de segurança, os pesquisadores também tinham o intuito de verificar se esse modelo composto (EEG + rastreamento ocular) seria capaz de gerar previsões mais precisas em comparação a modelos baseados somente em informações demográficas.
A equipe considerou duas hipóteses: por um lado, se ele realmente se mostrasse melhor, isso indicaria que utilizar dados biométricos em tempo real permite prever o desempenho de aprendizagem; por outro, se não demonstrasse uma eficácia superior à previsão baseada somente em dados demográficos, significaria que os dados biométricos não agregam valor à previsão de desempenho de aprendizagem.
Caso a primeira hipótese se comprovasse, os investigadores esperavam identificar os aspectos específicos da atividade de EEG e movimentos oculares que contribuíram para a especificidade das previsões. Assim, eles poderiam manter apenas essas características no sistema de previsão e eliminar aquelas que não surtissem efeito significativo – o que, por consequência, tornaria o sistema mais simples e eficiente.
Após a sessão de treinamento, a equipe de pesquisa realizou um teste escrito para avaliar o desempenho dos participantes. Em seguida, comparou os resultados obtidos às previsões de seu sistema utilizando os dados demográficos idade, qualificação, grau de formação acadêmica e experiência profissional.
A comparação indicou que as previsões baseadas em dados demográficos e biométricos eram mais precisas do que aquelas baseadas somente na primeira categoria. Contudo, como o sistema que incluía essas informações dependia de muitas variáveis, é provável que sua precisão teria sido pior caso ele fosse aplicado a novos indivíduos não incluídos no estudo (ou seja, o modelo estava sobreajustado).
Para resolver esse problema, os pesquisadores realizaram análises adicionais com o intuito de identificar os fatores que mais contribuem para o desempenho de aprendizagem. Eles descobriram que a idade era o principal quesito, com uma tendência de indivíduos mais jovens apresentarem um melhor desempenho. Isso vale também para um nível elevado de qualificação, menores índices de fadiga e baixa exposição à excitação emocional durante a atividade.
“Este estudo abre novos horizontes no campo do treinamento personalizado de segurança, uma vez que permite o monitoramento e diagnóstico em tempo real dos estados cognitivos (isto é, desempenho de aprendizagem) dos trabalhadores da construção civil durante o programa baseado em realidade virtual”, concluíram os autores.
Apesar de o estudo contribuir para o desenvolvimento de novas formas de avaliação do desempenho de aprendizagem em treinamentos de segurança ocupacional no setor, deve-se notar que a tarefa utilizada pelos pesquisadores durou apenas 15 minutos. É possível que outros fatores relevantes surjam em situações de treinamento mais longas ou complexas.
O artigo “Forecasting personal learning performance in virtual reality-based construction safety training using biometric responses” é de autoria de Dajeong Choi, Seungwon Seo, Hyunsoo Park, Taehoon Hong e Choongwan Koo.