Além do Radar: O que os olhos dos controladores de voo revelam sobre o cansaço?

Estudo sobre os olhos podem prever cansaço de controladores de voo

O céu pode parecer calmo, mas nos bastidores do tráfego aéreo, os olhos dos controladores de voo revelam um papel crucial em uma vigilância constante. Por trás de cada pouso seguro, há profissionais que trabalham sob alta pressão: os controladores de tráfego aéreo. São eles que garantem que dezenas de aviões voem em rotas distintas sem se aproximar demais, que decidem desvios em tempo real e que coordenam pousos e decolagens com precisão cirúrgica. Nessas condições, a fadiga operacional é um risco constante — e identificar esse cansaço a tempo pode evitar acidentes graves.

É nesse contexto que surge uma tecnologia promissora: a detecção de fadiga por eye-tracking, capaz de identificar sinais de exaustão apenas observando o comportamento visual do profissional. Com esse desafio em mente que pesquisadores da Universidade de Aeronáutica e Astronáutica de Nanjing, em parceria com a Universidade Estadual de San Jose, desenvolveram um estudo inovador.

A proposta era simples e ambiciosa: seria possível detectar o cansaço de um controlador apenas observando os movimentos oculares? Publicado na revista Aerospace, o artigo apresenta uma resposta promissora. Através da análise de padrões oculares como fixações, sacadas e diâmetro da pupila, os cientistas conseguiram prever níveis de fadiga com boa precisão, possibilitando uma mudança na rota de como a segurança aérea é monitorada.

Olhar atento à exaustão

Controlar o céu não é tarefa fácil. Apesar dos avanços tecnológicos nos sistemas automatizados, o fator humano ainda é o principal elo da segurança operacional. Os controladores precisam manter atenção constante durante longos períodos, processar múltiplas informações simultaneamente e tomar decisões rápidas sob pressão. Esse esforço gera dois tipos principais de fadiga:

    • Física: desconforto visual, dores corporais e sobrecarga ocular.
    • Mental: esgotamento cognitivo, perda de foco, queda na velocidade de processamento.

Quando o cansaço se instala, a capacidade de manter o foco e reagir rapidamente diminui. A distração aumenta, e os riscos também. É aqui que a detecção de fadiga por rastreamento ocular pode fazer diferença — os olhos revelam sinais que o corpo tenta esconder.

O que os olhos podem dizer

Tradicionalmente, o cansaço é avaliado com questionários subjetivos, como a Escala de Sonolência Karolinska (KSS). Apesar de úteis, esses instrumentos dependem da autopercepção dos profissionais, isso traz bons insights, mas pode ser falho, especialmente em ambientes em que admitir fadiga pode ser malvisto.

Por isso, os pesquisadores buscaram indicadores objetivos que não interferissem nas atividades dos controladores. Descobriram que o eye-tracking, capaz de registrar fixações, sacadas e diâmetro pupilar, pode identificar cansaço antes do profissional perceber seus próprios limites.

O estudo contou com dois experimentos:

    • Experimento 01: Estudantes universitários, em um ambiente de simulação, monitorando possíveis conflitos entre aeronaves durante 40 minutos.
    • Experimento 02: Controladores profissionais simulando a gestão de aproximações para pouso em um radar realista.

Em ambos os cenários, os participantes usaram um rastreador ocular que registrava os movimentos em tempo real, enquanto avaliavam seu nível de cansaço ao longo da tarefa usando a escala KSS.

Como funciona a detecção de fadiga por eye-tracking

Durante as atividades, os pesquisadores coletaram dados de seis métricas oculares:

    • Velocidade das sacadas;
    • Duração e distância das sacadas (movimentos rápidos do olho entre dois pontos);
    • Diâmetro da pupila;
    • Área de fixação (o quão amplo é o ponto focal do olhar);
    • Duração da fixação.

Esses dados foram analisados com o auxílio de algoritmos de Machine Learning, incluindo modelos de Random forest e máquinas de vetor de suporte (SVM). Os resultados não apenas mostraram que é possível prever os níveis de fadiga com base na visão, como também revelaram quais indicadores são mais importantes.

Padrões que revelam exaustão

À medida que a fadiga aumenta, os padrões oculares se transformam de maneira previsível. Por exemplo, o estudo revelou que controladores mais cansados tendem a apresentar sacadas mais curtas e lentas, sugerindo um sinal de que seus olhos estão explorando menos o ambiente visual. Também foi observado um aumento no diâmetro da pupila, que tende a se dilatar com o avanço do cansaço, funcionando como um marcador fisiológico.

Além disso, o olhar se torna menos preciso: a área de fixação aumenta, indicando uma dificuldade maior em manter o foco em pontos específicos. A duração da fixação diminui, o que pode refletir instabilidade cognitiva ou mesmo tremores musculares sutis nas pupilas. Em outras palavras, o olhar de um controlador cansado é menos firme, mais disperso e menos ágil.

O uso de modelos computacionais permitiu transformar esses dados em previsões confiáveis. O modelo baseado em SVM, por exemplo, conseguiu prever os níveis de fadiga com até 67% de acurácia ao eliminar variáveis menos úteis, como a distância das sacadas.

Já o modelo de Random forest alcançou 65% de acurácia, confirmando que as três métricas mais relevantes eram o diâmetro da área de fixação, o diâmetro da pupila e a duração da fixação. Essas descobertas reforçam a utilidade desses três indicadores como ferramentas para criar sistemas automáticos de detecção de fadiga.

Um novo aliado para a segurança aérea

A proposta não é substituir o julgamento humano, mas fornecer uma camada extra de segurança. Assim como ocorre em análises avançadas realizadas pela Bittar Neurociência, o estudo demonstra um sistema que monitora o olhar dos controladores em tempo real e poderia detectar sinais de fadiga, antes mesmo que o próprio profissional perceba, emitindo alertas que permitam pausas estratégicas ou redistribuição de tarefas.

Em um ambiente onde erros mínimos podem ter consequências catastróficas, antecipar a queda de atenção pode salvar vidas.

Por que a detecção de fadiga por eye-tracking é tão promissora

    • Não é invasiva;
    • Não interrompe o trabalho;
    • Fornece dados objetivos;
    • É mais precisa do que medidas subjetivas;
    • Pode ser integrada a sistemas automatizados de controle de tráfego.

Do laboratório ao radar: o futuro da segurança operacional

Mais do que uma curiosidade científica, a leitura do olhar pode se tornar uma aliada concreta da segurança aérea. Ao revelar o que os olhos contam, mesmo quando a boca não diz, a pesquisa abre caminho para tecnologias mais humanas e eficazes no monitoramento do desempenho em profissões críticas. Ao combinar ciência comportamental, neurociência e tecnologia de análise visual, abre-se um caminho para sistemas mais humanos, inteligentes e seguros.

Afinal, frequentemente os olhos contam aquilo que o corpo tenta esconder.

O artigo intitulado “Fatigue Detection of Air Traffic Controllers Through Their Eye Movements.” é de autoria de Yi Hu, Haoran Shen, Hui Pan e Wenbin Wei.