Duas pessoas trabalham lado a lado para criar ideias. Trocam argumentos, observam uma tela, pensam, discordam e refinam propostas. Nesse processo de colaboração intensa, os olhos seguem padrões complexos, as pupilas se dilatam e regiões específicas do cérebro entram em atividade — sinais de um esforço que pode evoluir para a sobrecarga cognitiva. Agora imagine que, simultaneamente, sensores captam todos esses sinais e um algoritmo tenta prever, em tempo real, se essas pessoas estão mentalmente sobrecarregadas. Ambicioso? Sim. Impossível? Pesquisadores de Singapura e da China mostraram que não.
Publicado em junho de 2025 na revista Machine Learning and Knowledge Extraction, o estudo mostra que a integração de dados neurofisiológicos com modelos de aprendizado de máquina pode prever, com alta precisão, a carga cognitiva de indivíduos durante tarefas colaborativas. Para isso, a pesquisa combinou espectroscopia funcional no infravermelho próximo (fNIRS) e rastreamento ocular (eye-tracking), permitindo identificar se um participante estava sob alta ou baixa demanda mental ao interagir com outra pessoa.
A sobrecarga mental nas interações em grupo
A carga cognitiva, no contexto da aprendizagem, representa o esforço mental exigido para processar e integrar informações. De acordo com a Teoria da Carga Cognitiva, aprender se torna ineficiente quando as exigências superam a capacidade da memória de trabalho. Em situações colaborativas, esse desafio se intensifica: além do conteúdo, o indivíduo precisa gerenciar a comunicação com o parceiro, coordenar decisões e adaptar estratégias em tempo real. Quando a carga excede o limite, o aprendizado se compromete, por isso, ferramentas que ajudem a monitorar e ajustar essa carga têm enorme potencial educacional e organizacional.
O experimento: olhar, pensar, interagir e medir tudo
O estudo contou com a participação de 78 voluntários de áreas como engenharia, educação e matemática. Organizados em duplas, eles realizaram três tarefas colaborativas de geração de ideias para produtos do cotidiano, baseadas em cenários previamente definidos.
Durante as atividades, seus olhos eram monitorados por óculos de rastreamento ocular, e sensores fNIRS captavam a atividade cerebral em regiões associadas à função executiva e à cognição social, como o córtex pré-frontal (CPF) e a junção temporoparietal direita (JTPd). O fNIRS é um dos equipamentos utilizados pela Bittar Neurociência em seus estudos aplicados, reforçando a convergência entre a metodologia apresentada no artigo e as práticas do laboratório. Após cada tarefa, os participantes também respondiam a questionários subjetivos sobre sua percepção de esforço.
Os dados resultantes de 188 sessões colaborativas passaram por um rigoroso pré-processamento e extração de características. As variáveis analisadas incluíam métricas como a duração total das fixações visuais; o tempo até a primeira fixação; o diâmetro médio da pupila e os níveis de oxigenação sanguínea no cérebro, um indicador indireto de ativação neural. As pontuações dos questionários foram usadas para classificar os participantes em dois grupos: alta e baixa carga cognitiva.
A força da inteligência artificial para entender a mente
Com o conjunto de dados estruturado, os pesquisadores testaram sete modelos de machine learning: regressão logística, árvore de decisão, Naive Bayes, máquina de vetores de suporte (SVM), rede neural MLP, XGBoost e Random Forest. Este último foi o grande destaque, alcançando um F1 score de 0,88, um valor que combina precisão e sensibilidade.
Os modelos também foram avaliados com dados unimodais (apenas fNIRS ou apenas rastreamento ocular), e os resultados mostraram uma clara vantagem para a abordagem multimodal: a combinação dos dois conjuntos de dados permitiu uma melhoria de até 19% na performance preditiva em comparação ao uso isolado do fNIRS.
Os três preditores mais relevantes identificados foram: “duração total de fixações”, “grau médio entre fixações” (um indicador do padrão de varredura visual) e a atividade no córtex pré-frontal. Isso significa que participantes sob alta carga cognitiva tendem a fixar o olhar por mais tempo, a realizar movimentos oculares mais amplos e a apresentar maior ativação cerebral nas regiões associadas à memória de trabalho e ao controle de atenção.
A junção temporoparietal direita também se mostrou significativa. Por estar associada à empatia e à compreensão da perspectiva do outro, sua ativação reforça a ideia de que o esforço cognitivo em tarefas colaborativas envolve componentes sociais, e não apenas processos individuais.
A análise dos modelos também revelou uma nuance importante: nem todos se beneficiaram igualmente da integração multimodal. Enquanto Random Forest e SVM apresentaram ganhos claros com os dados combinados, modelos mais simples, como a regressão logística, tiveram desempenho superior com um único tipo de dado, provavelmente por causa do risco de sobre ajuste (overfitting) em amostras pequenas. Isso reforça a ideia de que a escolha do modelo certo é tão importante quanto a qualidade dos dados utilizados.
Pensar junto é mais do que somar esforços

As implicações dessa pesquisa são significativas. No campo educacional, os resultados podem servir de base para o desenvolvimento de sistemas adaptativos que ajustam, em tempo real, a complexidade das tarefas com base na carga cognitiva do estudante. Tais sistemas poderiam, por exemplo, pausar conteúdos, oferecer apoio adicional ou reorganizar grupos colaborativos conforme o estado mental dos usuários.
Em ambientes corporativos, tecnologias semelhantes poderiam otimizar dinâmicas de equipe e prevenir a fadiga cognitiva em situações de alta demanda, como operações que exijam maior controle ou treinamentos técnicos.
O estudo representa um passo importante rumo a um futuro em que tecnologias educacionais e cognitivas sejam mais sensíveis, inteligentes e personalizadas. Essa discussão dialoga diretamente com as pesquisas e aplicações desenvolvidas pela Bittar Neurociência, que investiga como dados neurofisiológicos, comportamento visual e inteligência artificial podem ser integrados para compreender o esforço cognitivo em contextos reais de aprendizagem e trabalho.
Abordagens como as apresentadas no estudo reforçam a importância de laboratórios e centros de pesquisa que unem neurociência aplicada e tecnologia para transformar evidências científicas em soluções práticas. Detectar de forma precisa e não invasiva quando alguém está mentalmente sobrecarregado — e adaptar o ambiente de aprendizagem a esse estado — é um passo promissor para a educação do século XXI.
Como concluem os autores, entender o esforço cognitivo de quem aprende em colaboração não é apenas uma questão de medir cérebros ou mapear olhares. É sobre reconhecer que pensar junto exige esforço conjunto e que, com as ferramentas certas, é possível apoiar esse processo de maneira mais humana e eficaz.
O artigo intitulado “Machine Learning Models to Predict Individual Cognitive Load in Collaborative Learning: Combining fNIRS and Eye-Tracking Data.” É de autoria de Wenli Chen, Zirou Lin, Lishan Zheng, Mei-Yee Mavis Ho, Farhan Ali e Wei Peng Teo.


